Monólogo retrata a luta pela aceitação na vida de uma travesti
O debate sobre questões de gênero é urgente, ainda mais em uma sociedade marcada por dados preocupantes como a brasileira. Uma ONG europeia (Transgender Europe) constatou que o Brasil é o que mais mata transsexuais no mundo.
Como uma forma de escancarar esta situação alarmante e falar sobre o universo das travestis, surge a peça “Kim – O Amor é a tua cura”, que estreia no dia 04 de maio e fica em cartaz até o dia 27 de Maio no Teatro Café Pequeno no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro.
“Kim - O Amor é a tua cura”, é um drama retratando a natureza cruel do ser humano e suas falsas realidades, mas dando prioridade à expressão de sentimentos. Numa livre adaptação do texto UNHAS de Marco Galvani, numa visão crítica e sem pudores, trata da solidão, angústia, miséria, preconceito, abandono e doenças psíquicas.
Clama o desejo de transformar a vida, de alargar as dimensões da imaginação e renovar o olhar ao próximo, aceitando as possíveis diferenças. Essa montagem prima pelo respeito à liberdade individual, aceitando a subjetividade, o irracionalismo, o arrebatamento pelos temas moralmente proibidos – o sensual e o sexual.
Estrelado pela atriz Lucilla Diaz, que tem a árdua tarefa de sensibilizar e motivar reflexões entranhando-se na consciência dos seus expectadores, o monólogo é dirigido por Alessandro Brandão e tem ainda na equipe a presença da travesti atriz ativista Dandara Vital como assistente de direção.
O espetáculo conta a história de uma travesti chamada Kim, que se depara com um impasse muito grande na vida dela: o fato agravante de não ser aceita por seu corpo e o de ser repreendida. A sociedade não aceita o que ela é e suas formas, impondo que ela se transforme e faça o que muitos chamam de "higienização" (remoção dos órgãos genitais) se tornando assim uma pessoa aceitável socialmente.
O projeto pretende ser o reflexo de uma visão emocional dessa triste realidade, abrindo os sentidos da plateia ao mundo interior da personagem, com todos seus anseios em relação às questões da vida e da morte. Fruto das peculiares circunstâncias da vida, vem revelar seu lado pessimista e a angústia existencialista do indivíduo numa sociedade pós-moderna que ainda segrega, desqualifica, oprime e rechaça pessoas “diferentes” a um lugar de invisibilidade.
Com discurso em sua maioria em terceira pessoa, a atriz relata todo o sofrimento de Kim contando situações vividas, momentos de tristeza e sofrimento por ser excluída, não só pela sociedade, mas também por sua família, até que opta por se suicidar. A ideia de montar a peça partiu da própria atriz, Lucilla, que quando vivia na Itália conheceu o autor do texto e passou a se interessar pelo universo das travestis.
“Sou apaixonada por essa história. Durante as minhas pesquisas, meus laboratórios, fui me encantando pela história dessas pessoas, são seres humanos e são marginalizados e a peça toca em um ponto muito importante, que é as consequências dessa não aceitação e que leva uma pessoa a tirar sua própria vida.
Muitas delas fazem a operação de troca de sexo para serem aceitas, serem amadas, então a peça é uma denúncia, é quase um grito para a sociedade. O monólogo fala de amor, de humanidade, de respeito, porque às vezes você pode até não aceitar, mas você tem que respeitar, são seres humanos como nós e não tem diferença”, conta Lucilla.
Fotodivulgação
O diretor Alessandro Brandão, que também é ator e viveu uma drag na novela “Pega Pega” da TV Globo e faz parte de uma dupla de dragqueens que se apresentam com um show de samba-canção, diz que na hora que leu o texto e foi convidado por Lucilla para dirigir o espetáculo, percebeu que o texto é uma denúncia e que deseja que através da peça as pessoas sejam tocadas e percebam as maldades que fazem com o mundo das travestis.
“Eu quero que a sociedade veja que vem dela a crueldade perante àquelas pessoas, somos nós que impomos que elas precisam ser prostituas, pois eu não vou deixar uma travesti ser professora da escola do meu filho, não quero uma travesti sendo votada e virando vereadora, então a sociedade impõe a travesti esse lugar de exclusão. O que eu quero com esse trabalho é mostrar aos travestis que a culpa é da sociedade, somos nós que não temos o olhar e nem o amor necessário para aceita-las”.
Alessandro explica que a peça é trabalhada com o viés da exclusão social e através deste viés que eles pretendem tocar o público e fazer com que eles se identifiquem com essa exclusão: “Todo mundo já se sentiu excluído socialmente pelo menos uma vez na vida, seja pelo jeito afeminado, ou por estar acima do peso, ou por não ter a altura ideal, ou por ter o cabelo diferente e no espetáculo a gente pega esses pontos que são comuns entre todos para trazer o público e fazer com que eles se identificarem com a situação das travestis”.
Lucilla complementa: “Esse é um teatro que faz uma denúncia, que faz você sair do teatro mexido, te faz refletir, te faz pensar. A gente fica no nosso mundinho, olhando para o nosso próprio umbigo e julgando, colocando rótulos e não temos a menor ideia do sofrimento, da problemática, das questões alheias. A gente põe um rótulo, a gente julga, mas não sabe o caminho que aquela pessoa percorreu para sobreviver. A partir do momento que você conhece a causa não tem como não se envolver, é algo que me toca profundamente”.
“A melhor forma de falar de inclusão é inserindo na realidade essas pessoas que são discriminadas ”
Alessandro conta ainda que quando foi procurado por Lucilla para dirigir a peça se preocupou com o fato dela não ser uma atriz travesti e que fez questão de incluir na equipe pessoas travestis, transexuais, drags: “Vivemos em um momento no qual se discute muito o trans fake.
Eu me preocupei muito em não me fechar para essas pessoas pois estamos falando de inclusão, então, nada mais justo que eu inclua essas pessoas que são discriminadas e que ficam orbitando em volta do nosso mercado. Fiz questão de ter uma produtora trans, que é Aurora, de ter a Dandara dirigindo comigo que é uma travesti, de ter o fotógrafo que é um homem trans, de ter um iluminador que é uma dragqueen.
Decidimos que todas essas pessoas deveriam estar com a gente, a melhor forma de falar de inclusão é inserindo na realidade essas pessoas que são discriminadas”.
A atriz travesti e ativista Dandara Vital, assistente de direção do espetáculo, comemora sua participação em um projeto de inclusão como este: “A luta contra o transfake visa a inclusão de pessoas trans na arte em geral, ainda existe uma resistência das pessoas cis (pessoa que se identifica com as características do gênero designado a ela no nascimento) em entenderem a Representatividade Trans, e apesar de ter uma artista cis narrando as vivências trans, mas foi uma atriz que quando conversei não teve a resistência em incluir pessoas trans”.
Sobre Lucilla Diaz
Começou a estudar teatro em Brasília, depois foi para a Itália, estudar, por onde ficou 20 anos. Lá se formou como atriz, esteve em diversas peças, filmes para televisão, seriados e cinema. Em Roma frequentou o DUSE International, uma escola de teatro e cinema onde conheceu Marco Calvani, autor do texto que inspirou a peça “Kim – O amor é a tua cura“.
Lucilla estudou também em Nova York, com Susan Batson, coach de estrelas de Hollywood como Nicole Kidman e Tom Cruise. Em Los Angeles estudou na Beverly Hills Playhouse Institute e de volta ao Brasil em 2012 está no grupo de teatro TA NA RUA, criado há 38 anos atrás pelo Mestre Amir Haddad. Lucilla considera sua entrada no TA NA RUA um divisor de águas como atriz, cidadã e ser humano.
Serviço: Data: De 04 a 27 de Maio, de sexta a domingo Horário: 20:00h
Duração: 1h
Classificação Etária: 16 anos Local: Teatro Municipal Café Pequeno – Av. Ataulfo de Paiva, 269 - Leblon- Rio de Janeiro Ingressos: R$ 30,00
Por Aline Nobre - RJ
Assessoria de Imprensa | Press Relations
Colaboradora na RMF/Portal Destaque