Cantora pediu que narrativa do espetáculo fosse alegre, apesar de episódios violentos
Sentada à primeira fileira do teatro, rodeada de fãs ansiosos por selfies, Elza Soares parece não se abalar com o burburinho.
Fala calmamente, pega na mão do interlocutor e relembra sua história, que acaba de rever encenada no palco, num musical sobre a sua biografia que acaba de estrear em São Paulo.
"Sempre me emociono com esse texto. Quando fala do meu filho que morreu, quando fala do meu pai. São trechos que mexem muito comigo", comenta a cantora, cuja trajetória foi marcada por violências -foi obrigada a se casar aos 12 anos, sofreu agressões domésticas, perdeu um filho.
Mas não são os momentos tristes que guiam a narrativa de "Elza". A própria biografada pediu que o espetáculo fosse alegre. "Tristeza não, a gente não quer falar de tristeza. A gente quer falar pra frente, pra cima. Eu acho que meu mundo é vida", diz ela.
O espetáculo, com dramaturgia de Vinícius Calderoni e direção de Duda Maia, é permeado pelo sarcasmo da cantora. Quando falam de sua idade, que a artista não revela, a peça brinca: tenho 3.000 anos, como a rainha Nefertiti, símbolo de beleza.
Tudo parte de recursos singelos, com quase todo o cenário composto de baldes de lata, como os que a artista precisava carregar na infância -seu peso e balanço também a inspiraram no rasgado da voz, uma de suas marcas no canto.
Em cena, não há apenas uma Elza, mas sete atrizes que se alternam no papel da cantora e de outras pessoas que passaram por sua vida. Mais do que isso, representam suas diferentes facetas e sua resiliência. "Eu sou meio gato, né?", comenta ela. "Ter sete vidas não é brincadeira, não".
A biografia ainda remete a outras mulheres negras que foram vítimas de violência, como a vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), assassinada em março. "Minha história reflete em outras mulheres. O que eu mais queria é que ela fosse vista por mulheres que às vezes não têm força. E que elas tomassem isso também como exemplo, de dizer 'não', chutar a porta e ir embora."
A sessão paulistana da peça na sexta-feira (19), na qual Elza estava presente, foi algumas vezes interrompida por aplausos efusivos e gritos de "ele não", contra o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL).
Em especial quando a Elza do palco diz que "não é preciso portar armas, é preciso portar a voz". A frase, originalmente pensada como um jogo de palavras que reforça a postura firme da artista, acabou ecoando na política devido à defesa de Bolsonaro da liberação do porte de armas.
E é por causa do momento político turbulento, diz a Elza da vida real, "que as mulheres têm que estar mais juntas".
"O país está muito conturbado, e acho que é a mulher que vai dar jeito nisso. Se o mundo fosse comandado por mulheres, ele seria muito mais feliz", diz a cantora, com seu gesto costumeiro de pousar o queixo sobre os dedos.
"E apesar de tudo, acho que nós estamos vivendo um momento muito feminino. Os homens vão acabar entregando o mundo nas mãos da gente, dizendo: 'Por favor, tome conta, que eu não aguento mais'."
Com informações da Folhapress.